Netflix reuniu um grande elenco na adaptação de livro de Donald Ray Pollock (disponível aqui no Brasil pela editora Darkside) lançado em 2011. Nomes como os de Tom Holland e Robert Pattinson, especialmente por estarem atualmente atrelados ao universo dos super-heróis, parecem ter sido os chamarizes certos para atrair atenção para uma produção que dificilmente seria um sucesso comercial.
A história se inicia com Willard Russel (Bill Skarsgård) voltando da Segunda Guerra e rumando para seu lar, no interior de Ohio. No caminho, pára em uma lanchonete e se apaixona pela garçonete, Charlotte (Haley Bennett), o que atrapalha os planos de sua mãe, que prometera a Deus que o filho se casaria com a órfã Helen (Mia Wasikowska). A garota, no entanto, se encanta por um instável pregador nômade que acredita ser invulnerável a qualquer perigo graças à sua fé.
A vida então parecer prosseguir normalmente, até que uma série de acontecimentos trágicos é disparada quando a esposa de Willard, já mãe do jovem Arvin (Michael Banks Repeta nesse momento), morre por conta de um câncer. A iminência e a concretização da tragédia despertam pesadelos adormecidos no ex-soldado, que se volta a Deus de forma macabra na esperança de um milagre.
Enquanto isso, Carl Henderson (Jason Clarke), um serial killer que sente prazer em matar caronistas após os obrigarem a fazer sexo com sua garota, seduz Sandy (Riley Keough), irmã de um xerife corrupto, Lee Bodecker (Sebastian Stan). O destino colocará esses três núcleos em uma colisão mortal.
Algumas obras se perdem em sua reta final, fato mais comum. O Diabo de Cada Dia, ao contrário, se encontra de verdade em seus últimos trinta minutos. Até então, o filme possui alguns defeitos de ritmo e utiliza recursos que o tornam enfadonho. Em certos momentos parece que a história não caminha para nenhum rumo, sendo apenas uma sucessão de cenas se alternando. O uso de narrador (o próprio autor do livro no qual o filme é baseado) é totalmente desnecessário. Há uma cena inteira que se repete para explicar detalhadamente um fato que já ocorreu, atrasando ainda mais a fluidez dos acontecimentos e irritando o espectador. Se o diretor nova-iorquino Antonio Campos derrapou nesses elementos, acerta ao conduzir cenas de violência e ação que inserem realismo e emoção de forma cada vez menos vista de forma tão competente como aqui.
De modo geral, temos a religiosidade cristã como tema comum, a influência que exerce no interior rural dos Estados Unidos, se chocando com honra, orgulho e questões práticas. Os aspectos negativos da fé são destacados no longa, mostrando como é utilizada como arma e escudo contra a realidade desoladora para alguns em locais que parecem distantes da civilização moderna. Alguns exigem milagres, outros querem exibir poder e grandeza e ainda existem aqueles que usam de sua influência religiosa para obter sexo e boa vida. Nesse cenário, o agora também órfão Arvin Russel (Tom Holland), irá ter de usar as lições aprendidas com o pai para sobreviver, além da arma que herdou.
Robert Pattinson no papel de reverendo Teagarden assume trejeitos que remetem ao Lestat de Tom Cruise em Entrevista com o Vampiro. Sua interpretação beira a canastrice, fazendo uma espécie de vampiro de sotaque caipira afetado, porém suas pregações e discursos soam ridículos e rasos, o que na verdade reforça a impressão de como é fácil manipular aquelas pessoas tão humildes. Jason Clarke já nasceu pronto para papéis de psicopata, não é nenhuma novidade. Tom Holland é a surpresa do longa, interpretando um garoto com passado trágico e futuro incerto que é empurrado para o papel de um fora da lei clássico que, ao fazer justiça por meio da vingança, se torna um fugitivo tal qual em um western. Seu personagem se volta contra a justiça divina e a dos homens, ambas distorcidas e corrompidas em um ato de rebelião.
Como em um filme do Scorsese, a ação se concentra na reta final, com assassinatos e confrontos fatais nos quais o filme mostra sua força orquestrando momentos tensos e violentos que desembocam em um embate entre dois personagens em confronto por suas irmãs por motivações diferentes.
O Diabo de Todo Dia liga duas gerações da mesma família que foram afetadas pela guerra de maneiras diferentes. A sacada de terminar com um aceno ao movimento hippie que tomou a América, na época envolvida na guerra do Vietnã, foi genial, uma espécie de promessa de que as armas serão depostas e a paz e a liberdade finalmente virão, ao menos para quem sobreviveu.
O Diabo de Cada Dia (The Devil All The Time, 2020)
Diretor: Antonio Campos
Gênero: Drama; ação
Elenco: Robert Pattinson; Tom Holland; Bill Skarsgård; Jason Clarke; Riley Keough
Duração: 2h18min